INÉDITOS
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Permanecem aqui alguns textos não publicados, em gaveta aberta.
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Ensaio sobre o Dever (Ou a Manifestação da Vontade)
edições humanistas | Das Escolhas de Conjunto
O Ensaio sobre o Dever (Ou a Manifestação da Vontade) foi a primeira obra publicada e, ainda inédita, uma das cinco finalistas do Prémio LeYa 2015, com o título que recebeu originalmente, "Os Cegos e os Surdos". Com uma escrita e um imaginário fundados em José Saramago e Alfred Hitchcock, este livro enquadra-se dificilmente num género literário, desvinculando-se de limites normativos que pudessem condicionar a narrativa. O tema desenvolve-se em torno de uma decisão a que os cidadãos do mundo inteiro são chamados a tomar, intimados por uma entidade desconhecida. Têm de escolher um sentido apenas, «a saber», pode ler-se na bizarra mensagem, «visão, audição, olfacto, tacto, paladar, com exclusão do apelidado sexto sentido, dado que, neste último caso, é o sentido que escolhe o portador, em caso algum podendo ocorrer o inverso». Receando o impacto da escolha livre na organização da sociedade, o governo decide obrigar os cidadãos eleitores a escolherem o sentido determinado em conselho de ministros, sob pena de penalização no rendimento, chamando as pessoas, em nome da nação, ao exercício de um dever colectivo de reorganização após a «extracção dos sentidos». Perante a ordem do governo, os partidos da oposição apresentam moções de censura e os auto-apelidados «guerrilheiros da liberdade» formam «brigadas dos sentidos», ainda que acabando estas por «forçar as pessoas a serem livres».
«Naquele dia, os olhos cegaram e os ouvidos ensurdeceram, entre outros sentidos que emudeceram, a não ser que outra tivesse sido a preferência expressa, em sede própria, do cidadão maior de idade. A inédita constelação de eventos de que se fez compor o invulgar fenómeno, categoria das coisas extraordinárias que nos pareceu justificar as despesas da narração, viria alterar irrevogavelmente os hábitos dos vivos, e só destes tratamos, porque aos mortos se reservam outras experiências, não menos marcantes certamente. Fez-se o bizarro acontecimento preceder de aviso, vinte e quatro horas antes.»