INÉDITOS
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Permanecem aqui alguns textos não publicados, em gaveta aberta.
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A Alegria de Ser Miserável
edições humanistas | Do Único e Seu Instante
O romance A Alegria de Ser Miserável explora a vida de um homem de feitio rude, que despreza o seu contexto social e a necessidade de relação com os outros. «Se alegria houvesse, e festa se anunciasse para a celebrar, Zé era convocado por carta, para não contaminar contentamentos». Porém, sofre uma embolia que lhe retira «a capacidade de sentir tristeza», ficando «impossibilitado de ficar deprimido», perdendo «competências em ser miserável». A sua irmã Alma da Encarnação, que «teria muito para fazer nesta vida e noutras, quem sabe, que no nome para lá tinha atalho», é uma personagem secundária que, num jogo de perspetivas, desenvolve uma singular densidade arquitetónica. O protagonista, Zé da Paixão, experimenta várias profissões irrelacionáveis, numa vida que é conduzida pelo acaso, e vem a conhecer uma mulher por quem sente uma fixação inconsequente. Num exercício literário que ultrapassa as habituais técnicas narrativas, assiste-se a um personagem central que assume a coragem de sobrepor a vontade à oportunidade, conduzido pelas suas teias mentais, por via de recursos narrativos atípicos.
«Ai. Foi só isto, mais nenhum ai se deu, mais nenhum ai se ouviu. À irmã, nos meios anos dos cinquenta, quase nada mais velha do que o iminente doente, mais nenhum ai foi preciso, aquele bastou para lhe pôr urgência no passo. Meia hora feita, estavam no hospital, vinte dias e umas horas depois, ouviam o diagnóstico do ai que lhe saiu. José de assento, Zé de cognome, nascido alentejano, em dia de abafura, nos altos do Marvão, recebia a sentença clínica, ‘Homem, você é um homem feliz!’. José, dêmos, por um instante, continuidade à intenção de seus pais, não percebeu a declaração, nem a irmã, Alma de chamamento e assento, nem nós, se não nos tivesse calhado este lado da narração. O médico esclareceu: uma embolia, interrompendo o fluxo sanguíneo no cérebro, havia afetado a região que processa essa emoção e outras dela vizinhas. Zé perdera a capacidade de sentir tristeza, ao que parece estava impossibilitado de ficar deprimido, perdera competências em ser miserável, estava condenado à infelicidade de ser feliz para sempre.»